12 de novembro de 2015

Tradições e as Galerias Lafayette

Ontem foi feriado em França, de quê? Deixa cá ver... armistício de 1918, o dia que marcou o fim dos combates da I Guerra Mundial. E o que fazer num feriado em que tenho o J em casa e M também? Montras de Natal, what else? E lá fomos nós contentes da vida e imaginando qual seria a decoração de Natal deste ano, como será a árvore? Qual será o tema? Como serão as luzes? Como, como, como? E neste rebuliço que talvez ocupasse só a minha mente tranquila, dei-me conta de que uma tradição se criou, uma tradição nasceu numa terra que não me pariu e sorri um sorriso agridoce.


As montras estavam lindas, luzes, luzes e mais luzes, nas Galerias Lafayette o tema deste ano é a Guerra das Estrelas, aproveitando seguramente o lançamento do filme para o final deste ano, marketings e cenas, mas quem é que pensa mesmo nisso? Quem é que se detém a pensar em toda uma estratégia quando se vê em frente àquelas vitrines? Quem? Certo... nobody gives a shit. Pensamentos à parte, que "gandas" montras! Tão lindas!




Entre criancinhas e pais e turistas e pisadelas e encontrões e a vontade de os partir a todos, lá fomos ver a dita árvore de Natal e posso dizer-vos que não ficou a dever nadinha às minhas expectativas. É linda, de cima, de lado, de baixo, linda.



Saíndo das Galerias Lafayette e tentando driblar as milhares de tentações que encontramos pelo caminho dirigimo-nos para as galerias Printemps, uma versão das Galerias Lafayette menos frequentada pelos turistas mas que também vale a pena visitar. E pelo terceiro ano consecutivo surge a discussão: quais são as montras mais bonitas deste ano? Lafayette ou Printemps? Ahh não sei, olha que Guerra das Estrelas e tal, mas olha que a montra Louboutin também tinha aquelas coisas sabes? Aquelas coisas giras e até os sapatinhos tinham a sola vermelha, tão giro!



E entre fotos e discussões tornamo-nos cada vez mais parte de uma terra que não é a nossa mas que aos poucos nos vai agarrando. E vocês, de qual gostaram mais?






10 de novembro de 2015

A sábia

Era uma vez uma sábia muito sábia que do alto do seu castelo contemplava as nuvens e os pássaros e via como as nuvens às vezes podem ser pássaros e os pássaros às vezes podem ser nuvens. Do alto do seu castelo ela observava o que se passava em cima e em baixo e também o que se passava dentro.  A cada nova descoberta assomava-se de espanto e admiração, sentia de todas as vezes uma profunda satisfação pelo conhecimento ganho, pequenos grãos de areia que ia juntando num montinho. Lá do alto do seu castelo ela via as pessoas lá em baixo, lá em cima e à sua volta. Sentiu dores, alegrias, paixões que queimavam até à morte e amores que acalmavam sedes eternas. Analisava, sentia, pensava, questionava, duvidava e esperava. Esperava que a solidão de saber terminasse. Esperava que a solidão de perceber fosse aplacada. Esperava que a solidão de sentir o mais negro dos negros e a luz mais luz se esvaísse por entre as suas narinas. E esperava. E esperou. E sentia saudades. Saudades de um abstracto completo, de um imperfeito perfeito. Tantas saudades como o mar que é só nosso, tantas saudades como o fado que embala a noite dos poetas sofridos. Saudade, tanta saudade. E ela esperou e preparou-se, preparou-se sem saber mas sentindo, foi-se despindo de medos que jamais permitiriam que ela matasse as saudades mas guardou outros que só poderiam ser salvos se a saudade terminasse. E ela esperou e chorou enquanto esperava. E ela esperou e sorriu enquanto esperava. E um dia ela sentiu o formigueiro na ponta dos dedos, sentiu excitação no coração, sentiu o estômago embrulhar-se com a perspectiva de um encontro, de um momento. E ela foi sem saber como ia ser mas sentindo, abafou todas as expectativas e quase todos os medos e foi. Sentou-se e conseguiu dizer o que há muito se calava na voz, tenho saudades. Tinha tantas saudades. Doeu-me tanto aqui chegar. E a sabia percebeu que também era velha, velha de saudades, velha de dores, velha de lágrimas e num raro momento deixou de lado um dos seus medos, o de ser velha e sábia. E no círculo de retalhos sentiu um lugar que não era de ninguém e não podia ser de qualquer um. Sentiu o seu lugar. Não era de mais ninguém era seu. Não o roubou nem substituiu ninguém, era apenas o seu com o encaixe perfeito do seu sentir, da sua dor, da sua alegria, dos seus medos, dos seus dons, das suas falhas, das suas cores. Ela sentou-se e olhou em volta e fez o que melhor sabe fazer, observou e sentiu e analisou e chorou e sorriu. Sentiu as sombras e a luz, a impaciência e a perseverança, a dor e o amor, a revolta e a aceitação, a incompreensão e a compreensão, o medo e a fé, a raiva e o amor, a solidão e o aconchego, a dúvida e a questão, a vergonha e o desembaraço. E não teve medo de sentir. E não teve medo de se deixar sentir. Sentiu-se pequenina e sentiu-se grande. Embalou e deixou-se embalar. E no fim só um pensamento, ESTOU ESPANTADA! Estou profunda e imensamente espantada. Grata a cada uma das partes deste corpo por ser, fazer e sentir. Grata a cada uma das partes deste corpo por ocupar o seu lugar. Grata por terem cantado tão alto que do topo do meu castelo eu ouvi-vos chamarem por mim. Ahei!

Para vocês com Amor


Fala-me de ti, diz-me onde te dói, não precisas dizer porquê basta que me digas onde e do resto trato eu, não te preocupes. Então, vais dizer? Ou vais continuar a calar? Fala-me, diz-me, grita-me! Abre a tua boca até às goelas e mostra-me onde!
Fala-me avó da neta que te abandonou, fala-me mãe do pai que te traiu, fala-me filha da mãe que te odiou. Conta-me da tua dor de parir e da dor de não o fazer. Mostra-me em que sítio te queimou o veneno da irmã que te inveja. Faz-me saber do filho que te sugou. Canta-me a lágrima que te secou. Explica-me o que foi ser filha da mãe e filha da puta. Deixa que te toque onde te dói, deixa que o meu dedo podre afague a tua ferida. Deixa que o meu colo carregue essa solidão milenar, essa insegurança ancestral, deixa que os meus dedos desonrolem a tua língua e libertem todas as pragas que calaste. Deixa que o meu beijo acorde o fogo no teu coração.
Filha, irmã, tia, sobrinha, mãe, avó, amiga, deixa-me ser em ti e tu serás em mim e aos poucos, juntas, mão na mão, ferida com ferida, vamos entrançar a dor que carregas e dar-lhe uma cor, uma forma e nessa dor vamos navegar juntas e resgatar cada onça de poder perdido, esquecido, fugido e vamos colá-lo numa linda manta de retalhos onde as tuas irmãs, filhas e netas se vão sentar enquanto tu lhes mostras como se navegam essas águas que te negaram por tanto, tanto tempo. Diz-me onde te dói.

6 de novembro de 2015

Gotas de chuva

Hoje tive oportunidade de ler a história de um rapazinho que sensibilizado pela falta de água em África resolveu ajudar. Resumidamente, começou a fazer pequenos trabalhos na casa de vizinhos e familiares e doou esse dinheiro a uma associação que com as doações abria poços perto das vilas. A sua acção teve uma reacção que eu acredito não ter sido preconizada pelo pequeno rapaz, os seus amigos e vizinhos decidiram fazer o mesmo. Isto faz-me lembrar um pensamento que eu tenho de cada vez que ando de carro quando chove, e se nós formos como as gotas que estão na janela do carro? Uma gotinha empurrada pelo vento que vai agregando outras tantas na sua passagem transformando-se num pequeno veio de água à medida que vai agregando mais e mais gotinhas todas elas tão pequeninas? E se a nossa acção for como o vento que a empurra na direcção das outras? E se afinal aquilo que nós fazemos for importante? Realmente importante, não aquela balela que ouvimos para trabalhar a insegurança, tipo importante como um prego que segura a perna de uma cama? E se nos mentiram de todas as vezes que nos disseram que não podemos mudar o mundo? Não sei... mas espero bem que não me tenham mentido e eu seja realmente insignificante caso contrário vou ficar muito fodida.
Pensamento encontrado por acaso em InSónias (é melhor voltar a fechar os olhos)