10 de novembro de 2015

A sábia

Era uma vez uma sábia muito sábia que do alto do seu castelo contemplava as nuvens e os pássaros e via como as nuvens às vezes podem ser pássaros e os pássaros às vezes podem ser nuvens. Do alto do seu castelo ela observava o que se passava em cima e em baixo e também o que se passava dentro.  A cada nova descoberta assomava-se de espanto e admiração, sentia de todas as vezes uma profunda satisfação pelo conhecimento ganho, pequenos grãos de areia que ia juntando num montinho. Lá do alto do seu castelo ela via as pessoas lá em baixo, lá em cima e à sua volta. Sentiu dores, alegrias, paixões que queimavam até à morte e amores que acalmavam sedes eternas. Analisava, sentia, pensava, questionava, duvidava e esperava. Esperava que a solidão de saber terminasse. Esperava que a solidão de perceber fosse aplacada. Esperava que a solidão de sentir o mais negro dos negros e a luz mais luz se esvaísse por entre as suas narinas. E esperava. E esperou. E sentia saudades. Saudades de um abstracto completo, de um imperfeito perfeito. Tantas saudades como o mar que é só nosso, tantas saudades como o fado que embala a noite dos poetas sofridos. Saudade, tanta saudade. E ela esperou e preparou-se, preparou-se sem saber mas sentindo, foi-se despindo de medos que jamais permitiriam que ela matasse as saudades mas guardou outros que só poderiam ser salvos se a saudade terminasse. E ela esperou e chorou enquanto esperava. E ela esperou e sorriu enquanto esperava. E um dia ela sentiu o formigueiro na ponta dos dedos, sentiu excitação no coração, sentiu o estômago embrulhar-se com a perspectiva de um encontro, de um momento. E ela foi sem saber como ia ser mas sentindo, abafou todas as expectativas e quase todos os medos e foi. Sentou-se e conseguiu dizer o que há muito se calava na voz, tenho saudades. Tinha tantas saudades. Doeu-me tanto aqui chegar. E a sabia percebeu que também era velha, velha de saudades, velha de dores, velha de lágrimas e num raro momento deixou de lado um dos seus medos, o de ser velha e sábia. E no círculo de retalhos sentiu um lugar que não era de ninguém e não podia ser de qualquer um. Sentiu o seu lugar. Não era de mais ninguém era seu. Não o roubou nem substituiu ninguém, era apenas o seu com o encaixe perfeito do seu sentir, da sua dor, da sua alegria, dos seus medos, dos seus dons, das suas falhas, das suas cores. Ela sentou-se e olhou em volta e fez o que melhor sabe fazer, observou e sentiu e analisou e chorou e sorriu. Sentiu as sombras e a luz, a impaciência e a perseverança, a dor e o amor, a revolta e a aceitação, a incompreensão e a compreensão, o medo e a fé, a raiva e o amor, a solidão e o aconchego, a dúvida e a questão, a vergonha e o desembaraço. E não teve medo de sentir. E não teve medo de se deixar sentir. Sentiu-se pequenina e sentiu-se grande. Embalou e deixou-se embalar. E no fim só um pensamento, ESTOU ESPANTADA! Estou profunda e imensamente espantada. Grata a cada uma das partes deste corpo por ser, fazer e sentir. Grata a cada uma das partes deste corpo por ocupar o seu lugar. Grata por terem cantado tão alto que do topo do meu castelo eu ouvi-vos chamarem por mim. Ahei!

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