Este fim-de-semana fui ver o jogo de Portugal ao estádio. Não foi a
minha primeira vez num estádio mas foi a minha primeira vez com a
selecção. Quando vivia no Porto entre os 18 e os 20 talvez, tive uma
fase de adepta ferrenha do FCP ou fêquêpê com a pronúncia da minha
terra. Quando me mudei para o Algarve com 21, continuei a ser adepta
ferrenha mas mais pela minha terra do que pelo clube em si. Sempre senti
o Porto de uma forma intensa, cheio de arestas e asperezas, com uma
energia de luta a roçar a agressão mas sem lá chegar verdadeiramente. O
Porto bebe-se assim nas suas ruas de paralelos, nas roupas a secar nas
varandas, nas janelas e nos estendais que alguns bairros ainda
conservam. O Porto é barulho de panelas na noite de Ano Novo, o Porto é
comida, união, resposta na ponta da língua, ajuda desinteressada ao
estranho que se perde nas ruas da cidade. O Porto é abrir as portas a
quem connosco quiser comer sentado à nossa mesa e partilhar das nossas
histórias regadas a palavrões e situações engraçadas. Nós do Porto temos
um sentido de humor bem afiado, quando é preciso espeta no sítio certo,
quando é preciso acalma ânimos e dá lições. O meu Porto é assim.
Pulsante, cheio de energia, não é calmo e mesmo quando parece basta
observarmos os velhos sentados nos bancos de jardim e perceber a vida
que pulsa no bater das cartas, no silêncio das suas jogadas, nos seus
pensamentos que se elevam sob as árvores centenárias que protegem e
acolhem esta energia tantas vezes incompreendida. O nosso sotaque é tão
somente um reflexo dessa energia e um exemplo dessa incompreensão, somos
gozados e conotados de parolos e tripeiros e muitos de nós têm
vergonha desta pronúncia do norte quando o que deveríamos sentir era
orgulho, um orgulho imenso e desmedido por se sentir na voz tudo aquilo
que a nossa terra encerra, guarda e aguarda. A pulsão mágica do norte,
do Douro que serpenteia por entre as encostas que aprendemos a respeitar
e desse respeito nasceram as vinhas e os seus vinhos. A pulsão mágica
do desembocar do Douro no Atlântico e onde o nosso sotaque grita de
alegria e extâse numa dança sibilante entre ninfas e sereias. Esse mar
que abraça as nossas águas doces e as salga com a sabedoria que só o mar
tem, nesse desembocadouro podem-se ouvir histórias antigas, tão antigas
que a memória não as consegue alcançar e então elas perderam-se da
memória dos homens, mas, o mar e o rio guardaram-nas e elas estão lá
para quem as quiser ouvir, basta querer, basta aceitar aquela força que
nos parte em dois se não formos humildes e nos eleva nos ares se a
aceitarmos tal como ela é, tal como nós somos. O Porto é assim, dá-te a
mão e leva-te aos céus se não tiveres medo das tuas cores, abraça-te na
sua rudeza e dá-te um colo tão forte quanto o granito do seu chão. O
amor do meu Porto é assim, as gentes do meu Porto são assim, mãos
calejadas, coração calejado, sulcos no rosto, aventais na cintura,
viúvas trajadas a preto, capas negras estudantes, homens de chapéu,
velhos nos bancos de jardim, iscas e azeitonas, copos de vinho, pregões
que acabam em "ão" e vida, muita vida, vida vivida de dores e
gargalhadas, altas, tão altas, gargalhadas e dor misturadas num coração
que se abre mais e mais e gosta de gente como a gente, gente que chora,
come e ri com a gente, nós somos assim, nós os do Porto, os do Norte e
percebi que quando era do Porto clube, não era realmente do clube, tal
como não sou da selecção, Eu sou do Porto, de Portugal. É isso que me
faz vibrar, foi isso que me fez chorar enquanto cantava o hino, sou de
Portugal e sinto a falta de nós, sinto a falta do Povo que senti nos
versos daquele hino que agora só usamos para o futebol, sinto a falta do
Povo que se cumpre nessa terra que eu tanto amo e da qual faz parte a
minha cidade, o meu Porto, o meu coração. Portugal, se eu apenas vos
pudesse fazer sentir o que eu senti com aquele hino, se vocês apenas
soubessem do que são feitos, todos vocês, portugueses do meu Portugal.
21 de junho de 2016
15 de junho de 2016
"Maricas", "pretos" e "loiras"
Os últimos tempos têm sido ricos em notícias que nos mostram o efeito que o ódio tem no coração da humanidade, no coração dos homens e das mulheres. Acho que posso dizer aquilo que sempre digo, não consigo perceber porque é que a diferença assusta tanto, não consigo perceber porque é que esse medo é tanto que se transforma em ódio e faz com que se digam e façam coisas terríveis, abomináveis, desprezíveis, coisas que vão contra a essência da vida que é a própria vida e o amor.
Racismo, xenofobia, misoginia, complicadas estas palavras? Assustadoras? Dentro de nós algo salta logo e diz, "não, nem pensar, eu não sou nada disso." Certo, nós não somos as pessoas que pegamos numa arma, entramos numa discoteca e matamos 50 pessoas, talvez até não sejamos o tipo de pessoa que por trás de um écran de computador escrevemos comentários carregados de ódio e que levam alguém a ter vontade de morrer, acabar com a sua própria vida, o ódio de que são alvo é de tal forma grande que elas se afogam nele e desistem de viver. Então talvez não sejamos esse tipo de pessoa. Ainda bem por isso.
Que tipo de pessoas somos então? Nós somos todos os outros, nós somos aqueles que ouvem a palavra paneleiro e rimos ou ficamos calados, somos aqueles que ouvimos as piadas sobre as loiras e até as contamos a outras pessoas, nós somos aqueles que que calamos quando ouvimos alguém dizer que os pretos são burros ou até dizemos que trabalhamos como um preto. Nós somos todos os outros que fazemos piadas sobre as mulheres ao volante, dizemos que se é brasileira é puta, que se é romeno é ladrão e se é cigano é porco e mau. Nós somos os que perpetuam a mentalidade que alimenta o ódio daqueles que matam os 50, dos que explodem Bataclans, nós somos os outros, os que fazem piadas e permitimos que os nossos filhos escutem e achem isso tudo normal. Mas não é normal e não é por ser uma piada ou por serem só palavras que são inofensivas. Nós somos responsáveis pelos adultos do futuro, pelo ódio e pelo amor que vai brotar nesse futuro porque as sementes desse futuro são os nossos filhos, as nossas crianças, os nossos sobrinhos e os nossos netos e quando nós, os seus modelos, dizemos que alguém comete um erro porque é preto e então é burro eles vão acreditar em nós porque nós somos os seus modelos. Quando nós dizemos que as mulheres são histéricas as nossas filhas crescem a acreditar que são histéricas e os nossos filhos aprendem que devem tratar as mulheres como histéricas. Quando nós dizemos que as pessoas do bairro roubam, os nossos filhos vão acreditar nisso e vão crescer fechados a novos mundos, a novas pessoas e vão repetir o padrão e vai ser isso que vão ensinar aos seus filhos também. E se calhar quem sabe, o teu filho ou a tua filha cresça e se torne na próxima pessoa a maltratar alguém, seja na escola, seja na rua, seja em casa, apenas porque tu és mulher ou és um homem com alguma diferença, talvez até ele ou ela tenham um irmão que goste de meninos ou uma irmã que goste de meninas e o que é que ele/a vai fazer depois? Vai continuar a contar as piadas que te ouviu contar sobre paneleiros e maricas?
A mudança vem das coisas que chamamos de pequenas, a mudança vem de nós e das nossas crianças, o futuro está nas nossas mãos e nós somos responsáveis por ele, somos acima de tudo responsáveis por crianças que olham para nós como heróis e acreditam que tudo o que dizemos e fazemos é como deve ser feito e dito, portanto, da próxima vez que pensares em dizer maricas, não digas, da próxima vez que ouvires alguém dizer isso, não permitas, não te cales, sê o exemplo do futuro que queres para o teu filho, porque o teu filho e a tua filha são diferentes e únicos e especiais, e amanhã a diferença deles pode ser o alvo, talvez tenham sardas, talvez sejam baixinhos, talvez sejam gordos, talvez sejam magros, vai haver sempre alguma coisa e cabe-te a ti dizer-lhes que maricas é homofobia, preto burro é racismo, portugueses são pedreiros é xenofobia entre muitas outras coisas. Cabe-te a ti ensinar-lhe a defender aqueles que não se podem defender e a não compactuar com o rufia da sala, cabe-te a ti ensiná-los a defenderem-se, só a ti.
5 de junho de 2016
Esse bicho chamado amor-próprio
Acredito que não exista uma mulher que a dada altura da sua vida não tenha ouvido falar, a respeito de alguém ou dela mesma, de amor-próprio. Acredito que todas devam ficar como eu própria fiquei, com a ideia de que esse tal de amor-próprio não é nada mais do que o Santo Graal do qual toda a gente fala mas poucos ou nenhuns sabem dizer realmente onde ele se encontra.
Tenho andado eu mesma nessa tal de busca pelo Santo Graal. Ainda não o encontrei, não completamente, e esta terá sido talvez, uma das grandes lições que tive nesta trabalhosa demanda, sabem, é que eu pensei que era algo que se encontrava num momento e por inteiro, quase como um passe de mágica ou como uma chave que perdemos e um dia ei-la e a gaveta que não se abria pode por fim, ser aberta. Felizmente não é assim que acontece, onde estaria a piada se assim fosse? O amor-próprio conquista-se como ao animal assustado que salvamos das ruas, aos poucos com muito carinho e paciência, por nós mesmas acima de tudo. Pode ser frustrante e na maior parte das vezes a única coisa que dá vontade é de desistir e mandar tudo para o alto, afinal como é que se conquista um conceito? Como se ganha algo que não tem forma e que acima de tudo só conhecemos na teoria e de ouvirmos outros falarem, sobretudo quando nem esses outros nos podem dizer muito sobre essa coisa que não se consegue sentir com as mãos?
Bem, da pouca experiência que tenho posso assegurar-vos de que vale todo o trabalho mesmo que até aqui eu tenha conquistado 1% do todo que há para alcançar. A questão é que esse 1% já faz toda a diferença em mim e a diferença que há em mim reflecte-se no que me rodeia e isso, não tem preço.
Não existe propriamente uma fórmula para chegar a ele, às vezes é algo tão simples como dizer o primeiro não ou um olhar no espelho e de repente sentir uma pontinha de amor pelo reflexo. Não o poderei dizer porque não é igual para todos e porque sem o esforço da descoberta a conquista não é válida, não solidifica. E o que é para mim o amor-próprio?
O amor-próprio é o que guia a mão na busca dos sonhos que o nosso coração acalenta. O amor-próprio é o NÃO que nos desvia dos que nos tentam manipular. O amor-próprio é o afago que sentimos quando a vida nos apresenta os seus desafios. O amor-próprio protege-nos e liberta-nos. É o amor-próprio que guiará os nossos filhos com toda a segurança neste mundo quando não estivermos por perto. É uma oração de amor a nós mesmas:
Amor-próprio que estás em mim,
Guia-me pelas estradas da vida
Assim como me guias pelas estradas de mim mesma,
Perdoa-me quando te ignoro assim como eu me perdoo quando o faço,
Amor-próprio que estás em mim,
Que eu seja capaz de te sentir nas horas mais escuras e partilhar nas horas mais claras.
Com amor, nesta hora clara, partilho convosco.
SG
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