15 de junho de 2016

"Maricas", "pretos" e "loiras"

Os últimos tempos têm sido ricos em notícias que nos mostram o efeito que o ódio tem no coração da humanidade, no coração dos homens e das mulheres. Acho que posso dizer aquilo que sempre digo, não consigo perceber porque é que a diferença assusta tanto, não consigo perceber porque é que esse medo é tanto que se transforma em ódio e faz com que se digam e façam coisas terríveis, abomináveis, desprezíveis, coisas que vão contra a essência da vida que é a própria vida e o amor.

Racismo, xenofobia, misoginia, complicadas estas palavras? Assustadoras? Dentro de nós algo salta logo e diz, "não, nem pensar, eu não sou nada disso." Certo, nós não somos as pessoas que pegamos numa arma, entramos numa discoteca e matamos 50 pessoas, talvez até não sejamos o tipo de pessoa que por trás de um écran de computador escrevemos comentários carregados de ódio e que levam alguém a ter vontade de morrer, acabar com a sua própria vida, o ódio de que são alvo é de tal forma grande que elas se afogam nele e desistem de viver. Então talvez não sejamos esse tipo de pessoa. Ainda bem por isso.

Que tipo de pessoas somos então? Nós somos todos os outros, nós somos aqueles que ouvem a palavra paneleiro e rimos ou ficamos calados, somos aqueles que ouvimos as piadas sobre as loiras e até as contamos a outras pessoas, nós somos aqueles que que calamos quando ouvimos alguém dizer que os pretos são burros ou até dizemos que trabalhamos como um preto. Nós somos todos os outros que fazemos piadas sobre as mulheres ao volante, dizemos que se é brasileira é puta, que se é romeno é ladrão e se é cigano é porco e mau. Nós somos os que perpetuam a mentalidade que alimenta o ódio daqueles que matam os 50, dos que explodem Bataclans, nós somos os outros, os que fazem piadas e permitimos que os nossos filhos escutem e achem isso tudo normal. Mas não é normal e não é por ser uma piada ou por serem só palavras que são inofensivas. Nós somos responsáveis pelos adultos do futuro, pelo ódio e pelo amor que vai brotar nesse futuro porque as sementes desse futuro são os nossos filhos, as nossas crianças, os nossos sobrinhos e os nossos netos e quando nós, os seus modelos, dizemos que alguém comete um erro porque é preto e então é burro eles vão acreditar em nós porque nós somos os seus modelos. Quando nós dizemos que as mulheres são histéricas as nossas filhas crescem a acreditar que são histéricas e os nossos filhos aprendem que devem tratar as mulheres como histéricas. Quando nós dizemos que as pessoas do bairro roubam, os nossos filhos vão acreditar nisso e vão crescer fechados a novos mundos, a novas pessoas e vão repetir o padrão e vai ser isso que vão ensinar aos seus filhos também. E se calhar quem sabe, o teu filho ou a tua filha cresça e se torne na próxima pessoa a maltratar alguém, seja na escola, seja na rua, seja em casa, apenas porque tu és mulher ou és um homem com alguma diferença, talvez até ele ou ela tenham um irmão que goste de meninos ou uma irmã que goste de meninas e o que é que ele/a vai fazer depois? Vai continuar a contar as piadas que te ouviu contar sobre paneleiros e maricas?

A mudança vem das coisas que chamamos de pequenas, a mudança vem de nós e das nossas crianças, o futuro está nas nossas mãos e nós somos responsáveis por ele, somos acima de tudo responsáveis por crianças que olham para nós como heróis e acreditam que tudo o que dizemos e fazemos é como deve ser feito e dito, portanto, da próxima vez que pensares em dizer maricas, não digas, da próxima vez que ouvires alguém dizer isso, não permitas, não te cales, sê o exemplo do futuro que queres para o teu filho, porque o teu filho e a tua filha são diferentes e únicos e especiais, e amanhã a diferença deles pode ser o alvo, talvez tenham sardas, talvez sejam baixinhos, talvez sejam gordos, talvez sejam magros, vai haver sempre alguma coisa e cabe-te a ti dizer-lhes que maricas é homofobia, preto burro é racismo, portugueses são pedreiros é xenofobia entre muitas outras coisas. Cabe-te a ti ensinar-lhe a defender aqueles que não se podem defender e a não compactuar com o rufia da sala, cabe-te a ti ensiná-los a defenderem-se, só a ti.



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