20 de maio de 2016

O silêncio das coisas partidas

Tinha cá por casa algumas coisas que precisavam ser reparadas, pequenas coisas, nada de mais. Apesar de me parecerem coisas sem grande importância não conseguia deixar de me sentir incomodada. A asa de uma chávena que adoro. O puxador da porta. Um íman de frigorífico que caiu e se partiu em dois. Os dias transformaram-se em semanas, as semanas em meses e eu sem os consertar, sem os colar e eles ali, todos os dias a incomodarem-me com o silêncio das coisas partidas. 

Muitas vezes tive tempo e oportunidade para me dedicar a estes objectos mas a minha atenção fugia sempre para outra coisa que talvez nem estivesse partida, apenas outra coisa.

Há duas semanas cheguei ao meu limite e antes sequer de entrar verdadeiramente em casa peguei na chave de fendas e arranjei o puxador que todos os dias se soltava da porta. Respirei. De dentro de mim surgiu um pequeno e estranho prazer que não consigo bem definir e a partir desse dia comecei a pensar nas outras coisas que ainda tinha para consertar. Nesse momento deu-se um fenómeno estranho mas que bate certo com a pessoa que sou, continuei a adiar o conserto dos ditos objectos mas não como antes, não para evitar qualquer coisa que eu nem sabia bem o que era, agora adiava para prolongar o prazer do momento da reparação. Certo. Sou assim, complexa.

Ontem porém, estava sentada no sofá a vegetar no meio dos meus pensamentos e levantei-me com um salto, peguei no íman, colei-o, peguei na chávena, colei-a e outra vez aquele pequeno e indizível prazer. Fechei os olhos e aproveitei o meu momento de glória. E que momento de glória.

Podia agora explicar-vos o paralelo que fiz enquanto estava com os olhos fechados e em silêncio. Podia agora falar das pequenas coisas partidas em nós, à nossa volta e cá dentro. Podia falar de como essas pequenas coisas se tornam por vezes grandes e de como as grandes se tornam pequenas. Podia dizer que pequeno não significa insignificante ou sem importância. Podia, podia, mas não vou fazê-lo. Vou deixar-vos apenas com o silêncio das coisas partidas. Quem sabe o que poderão fazer com ele.




Sem comentários: