O meu nome é Sónia. E o meu nome é Xana. Não tenho um preferido, gosto dos dois mas cada um tem a sua história e a sua sensação em mim. Sónia durante muito tempo era para a escola e o para o mundo. Xana era para a família e para os amigos que cresceram a ouvir a minha família chamar-me Xana. E o Natal para mim é Xana. Toda esta época do ano é Xana e Xana e Xana.
Eu não sei o que é o Natal para vocês mas eu sei o que é o Natal para a Xana. O Natal para a Xana é uma casa cheia, duas casas cheias, três casas cheias que se misturam entre elas num fluxo muito próprio que não obedece a regras de circulação ou de etiqueta. É um bairro no meio do Porto. É a melhor e mais esperada noite do ano. É um irmão que discute comigo para ver de quem é o presente maior. O tamanho sempre foi importante para nós. A vitória do presente maior antes da meia noite era algo que exaltava ânimos. "Pai, o maior é o meu não é? Mãe, diz-lhe que é o meu!" Era assim até saírmos de casa. Naquele Natal o presente maior foi do meu irmão, uma casa da Playmobil. O meu? A cara do meu irmão a abrir o dele. O estado de choque que sempre o assomava, as lágrimas que ele não aguentava. O meu irmão é um chorão de Natal, um lindo chorão de Natal.
O Natal são pais cheios de recursos, recursos para encontrar um esconderijo diferente para os presentes de Natal TODOS os anos senão alguém ia tentar descobrir o que era.
O Natal é o descer da rua até ao bairro, subir as escadas do bloco da avó, passar na casa da ama, encontrar as pessoas de sempre.
O Natal é gente barulhenta. O Natal é gente que diz asneiras e se ri das asneiras que diz (isto é MUITO importante). O Natal é a casa da ama com o resto da família, os formigos que ela fazia para a Aninhas e que até à semana passada era só uma aletria mais escura, a Sãozinha com aquela sensação de irmã mais velha, o Bú com o ar mais ar de Bú que alguma vez se viu, a Aninhas que resmungava tanto mas não resistia às beijocas da Xana, os postais que a Ama punha no pinheiro e que me faziam pensar em como ela deveria ser uma pessoa especial para tanta gente lhe escrever, os enfeites de Natal que pareciam sempre enfeites de S.João, o amor.
O Natal é a casa da avó também. E as escadas que ligam estas duas casas. E as duas famílias que entram e saem sem pedir nem perguntar. São as portas que já ficavam abertas para facilitar a tarefa. É a Olivinha com a sua broa frita e os sonhos. O senhor Veloso que era o homem mais alto do mundo
O Natal é a avó que "mandava" em toda a gente, a avó regateira. O Natal é o avô Manel a mostrar a aparelhagem "última moda" que comprou e a letra desenhada que só ele sabe fazer nas etiquetas dos presentes. O Natal é uma tia com uma gargalhada estridente, agora que penso nisso, todos temos uma gargalhada estridente, daquelas que a piada ainda não acabou e já está a saír. O Natal é um tio que divide comigo o queijo da Serra, um queijo só para nós. O Natal são os frutos cristalizados que só eles comem. Natal é um primo cenoura, o meu primo cenoura, mais ninguém tem um primo cenoura como eu e eu orgulho-me disso, mais ninguém tem um primo cenoura que faz o pino em cima do sofá e que conhece tantas músicas que me dá vontade de ser como ele, o meu primo que recebeu uma caixa dentro de uma caixa dentro de outra caixa e mais outra caixa e na caixa mais pequenina estava uma chave e o meu primo sorriu, sorriu muito e eu vi o Natal em toda a gente que sorria com ele, eu vi o Natal em mim enquanto eu sorria sem perceber muito bem o que significava receber um carro no Natal, mas eu tinha a certeza que era muito bom porque eu fazia aquela cara com as Barbies, sim, eu vi o Natal quando ele foi à janela ver o carro branco que ele conduziu durante tantos anos. Acredito que aquele carro durou tanto porque veio com amor e o amor é assim, faz com que tudo resista, tudo dure, até os carros brancos. Eu vejo o Natal nos olhos azuis do meu primo cenoura quando ele olha os olhos cor de azeitona da minha prima L. Eu vejo o Natal nela quando ela sorri ao ver o Natal em nós.
O Natal é outra tia ainda, uma que eu ansiava conhecer e que um dia vi desabrochar e nesse dia quente e longe da Invicta, foi Natal. A minha tia com cheiro a Sol, a Sol e a sal. O meu Natal é um tio que traz o Natal silenciosa e naturalmente de cada vez que joga futebol com a minha prima, quando sem sequer damos conta anda sempre por perto a ver o que elas precisam, eu vejo o Natal em cada um desses momentos e vi o Natal quando ele riu como uma criança enquanto jogava consola comigo. O Natal são as minhas primas pequeninas, as respostas acutilantes da mais nova e o deslumbramento da mais velha enquanto me via maquilhar naquele Natal fora de horas, o meu Natal é vê-las crescer por dentro e por fora e sentir o meu coração encher com cada história, com cada conquista, com cada fotografia.
O Natal é um pai que desenhava o tio Patinhas só a olhar para os meus livros de quadradinhos, é um pai que esculpia moinhos em pedaços de espuma, é um pai que me trazia comida para provar enquanto ele cozinhava.
O Natal é uma mãe que faz tapetes de arroiolos sem ninguém lhe ter ensinado, uma mãe que ouvia música nas alturas enquanto arrumava a casa, uma mãe que volta e meia mudava os móveis todos de sítio.
O Natal é um irmão que só conseguia adormecer quando eu lhe dava a mão, um irmão que desenhava ainda melhor do que o meu pai, um irmão que eu ensinei a sambar e a dançar rumba, um irmão que tem um "crazy mother fucker mode" tal como eu.
Natal é farrapo velho na manhã de dia 25.
O Natal é alguém especial que me diz: "que cheiro bom, cheiras a casa".
Natal é escrever estas coisas todas a pensar em vocês e nos vossos sorrisos enquanto lêem o meu Natal. Natal é vocês serem assim, tão imperfeitos que me matam de amor. Bebam uma jerupiga por mim e continuem a fazer o meu Natal, acreditem que por cá eu estou a fazer o vosso, só ainda não consigo comer fruta cristalizada.
Amo-vos
Feliz Natal
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