23 de março de 2016

Intenção

Que eu adormeça com intenção,
Que eu sonhe com intenção,
Que eu acorde com intenção,
Que eu me lave com intenção,
Que eu me penteie com intenção,
Que eu me seque com intenção,
Que eu prepare as minhas refeições com intenção,
Que eu mate a minha fome com intenção,
Que eu mate a minha sede com intenção,
Que eu respire com intenção,
Que eu fale com intenção,
Que eu escreva com intenção,
Que eu pinte com intenção,
Que eu veja com intenção,
Que eu ame com intenção,
Que eu chore com intenção,
Que eu sofra com intenção,
Que eu peça ajuda com intenção,
Que eu concretize com intenção,
Que eu cure com intenção,
Que eu viva com intenção,
Com intenção eu nasci,
Com intenção que eu parta,
Porque é na intenção que eu e a Mãe nos encontramos e damos as mãos.

Artista Igor Zenin - Encontrada no blog https://laurenelegrange.wordpress.com



16 de março de 2016

Carta que escrevi para ti a pensar em mim

O vento trouxe-me sussurros de um tempo em que te conheci. E como é que se diz a essência de algo que não recordas? Não dizes, sentes, mas gostavas de dizer mesmo assim. E na busca de palavras fechei os olhos e procurei em mim todas as que me pudessem chamar à memória algo que eu vivi mas não recordo. Nada surgiu, apenas lágrimas. E eu aceitei-as e deixei-as correr livres pelo meu rosto seco, tão seco, eu já não sabia como ele havia secado. Fiquei assim sem saber o que é o tempo e como ele se move. Parei. Creio até ter parado o próprio tempo porque a minha vontade é grande e tem o poder de parar o tempo quando eu quero. Hoje eu quis. Precisei deste intervalo, então parou-se o tempo e eu pude sentir. E eu senti o sopro de vida em mim, o sopro de mim em mim. Eu senti a música desenhar-se no meu corpo e as imagens que ela traduz na minha cabeça. Eu senti a luz surgir e bater num lugar cheio de bafio. E eu percebi, tu és eu, eu sou tu. E as lágrimas cessaram.


14 de março de 2016

Sussurros de mim para mim

Não sei em que momento saí de mim para passar a ser outra que não sou. Ficou tudo confuso pelo caminho e as memórias até atrapalham.
Será que segui pela direita em vez de virar à esquerda? Quem sabe... talvez até tenha sido algum brincalhão que mudou a placa de sítio. Havia alguma placa? Ninguém me responde ou serei eu que não ouço quando me falas? Talvez, talvez até seja eu que me fale e não me oiça.
No parque cheguei a pedir indicações mas quem me falou parecia tão ou mais perdido do que eu. E esta multidão? Arre calem-se!!!

9 de março de 2016

Carta aos meus filhos

Hoje pensei em vocês como já não fazia há muito tempo. Pensei em vocês porque hoje aprendi uma coisa muito importante e fiquei com medo de a esquecer antes de vocês "existirem", então vou escrever para não esquecer e mesmo que esqueça depois de o escrever esta carta vai fazer com que me lembre e eu não tenha escapatória possível.
Hoje aprendi que o amor a nós é muito importante, mais importante do que qualquer outro amor que vocês possam ter nas vossas vidas e sobretudo mais importante que o amor que aparece nos contos de fadas. Meus queridos, espero ter a força e a presença de espírito para vos explicar que vocês não têm de ser o "príncipe no cavalo branco" ou a "donzela presa na torre" de ninguém!!! Esta é a maior mentira de todos os tempos!!! E eu não me posso esquecer de vos dizer isto!!! É muito importante!!!

Quero dizer-vos que mesmo o amor que vocês têm a mim e ao vosso pai não pode nem deve ser maior que o amor que vocês devem a si mesmos e que se algum dia eu vos fizer sentir o contrário peço-vos, zanguem-se comigo e chamem-me mentirosa e mostrem-me esta carta e eu dou-vos a minha palavra que vou acordar do meu umbigo. Quero explicar-vos também que a mim vocês não devem nada da mesma forma que eu não devo a vocês, nada para além de vos preparar para o mundo, para a vida e para vocês mesmos mas a partir daí é por vossa conta e eu por minha. Isto não quer dizer que vou deixar de vos amar ou que vos vou abandonar ou deixar de me importar convosco, é precisamente o contrário é preciso muito amor para deixar alguém viver a sua própria vida, espero que as nossas conversas sejam eternas e enriquecedoras mas o meu papel é mostrar-vos como serem pais e mães de si mesmos e vai ser muito díficil para mim porque eu sou uma protectora natural, mas vou dar o meu melhor.

Existe outra coisa muito importante, vocês vão criar expectativas em relação a mim, esqueçam-nas, eu não sou nada do que vocês possam imaginar, nem sou perfeita como eu sei que vocês vão pensar e  para vos ajudar a matar todas essas expectativas eu vou falar-vos de mim, vou contar-vos os meus feitos e os meus desfeitos, vou contar-vos as minhas cores para que percebam que tal como vocês eu sou apenas e tão só humana, nada mais, cheia de falhas e qualidades, na busca de mim mesma, talvez vocês também queiram buscar-se a si mesmos, não se preocupem eu também vou matar todas as minhas expectativas em relação a vocês, vai ser díficil porque eu já as tenho, mas vou dar o meu melhor e se eu falhar ou vocês falharem, não faz mal, estamos aqui na mesma para avançarmos mais um bocadinho. Vou mostrar-vos todas as chagas que eu decidi transformar em canteiros de flores, flores essas que talvez possamos colher juntos e também aquelas às quais eu teimo agarrar-me porque tenho pena de mim mesma. Quero explicar-vos que a dor não é nem má nem boa, apenas é e o que acontece a seguir depende do que nós fazemos com ela, ou continuamos a alimentar a chaga ou regamos para ver que flor vai saír dali. E está tudo bem na mesma. Não faz mal chorar, não faz mal falar do que sentimos, não faz mal sentir o que sentimos e depois desta aceitação vamos ver o que podemos fazer com isso tudo.

O melhor ensinamento que um dia eu vos poderei transmitir é mostrar-vos que me amo mais a mim do que a vocês e espero que vocês se amem mais a vocês do que a mim.

4 de março de 2016

Viver ou "viver"

Há muito, muito tempo, antes das histórias falarem de homens e mulheres as pessoas viviam. Não existiam livros, não existiam manuais e as pessoas viviam. E tudo o que hoje temos ao nosso dispor é fruto de pessoas, de seres humanos que Viviam. Para viver eles não precisavam de "instruções", apenas deles mesmos. Eu sei, de certa forma a vida deles era mais fácil do que a nossa, a tua, não existiam pressões, influências, não como conhecemos hoje, ou desconhecemos. O homem e a mulher recebiam orientações mas do interior. As receitas surgiam do interior. As poções surgiam do interior. A vida surgia do interior. Algures no caminho começamos a "viver", a "viver" e a receber instruções do exterior. E as receitas que fazemos já não são as nossas, bem como as histórias que contamos e ouvimos, são tudo menos nossas e assim prosseguimos a "viver" pensando que estamos a viver. Enganam-se, não estamos. Nada é nosso, nada é verdadeiro até que saia de nós mesmos e nesse momento o bolo que tu cozinhares é o bolo de que realmente precisas.