1 de agosto de 2016

Amesterdão e eu

De regresso a casa e a fazer um balanço do que foram estas férias para mim. Decidi não escrever tudo no mesmo post porque há muita coisa para dizer que não pode ser deixada de fora, houve muita coisa sentida que deve ser documentada para que eu possa ler vezes e vezes sem conta e não esquecer tudo o que estas férias me trouxeram.
Amesterdão é diferente de tudo o que conheço, diferente do Porto onde cresci, diferente de Paris onde vivo, diferente de tantas outras cidades que conheci e amei, cada uma à sua maneira. Amesterdão "confundiu-me" a princípio, talvez seja a sua energia "abafada" e "contida", talvez seja por estar abaixo do nível do mar, o certo é que nunca havia sentido nada parecido ao que lá senti. Tudo é bonito em Amesterdão mas não é o mesmo bonito de Paris, Paris eu diria "bonito realeza" e Amesterdão "self-made bonito", pequeno, acolhedor, prático, útil, são todas palavras que me surgem ao pensar na cidade dos canais. As casas de tijolo inclinadas com as suas portas pintadas e os sinais de proibição de estacionamento de bicicletas. As pequenas lojas que vão surgindo e nos revelam o empreendedorismo que vive no sangue dos Holandeses, a decoração "clean" e próxima da natureza que tanto me atraíram e que contrastam tanto com a beleza perfeccionista das montras de Paris. As lojas de Amesterdão respiram cores pastel e artesanato urbano, uma delícia.

Se observarmos com o coração aberto podemos sentir a poesia que emana dos canais, das bicicletas presas nas pontes, dos cestos que as enfeitam com flores artificiais, das campainhas que ouvimos como ruído de fundo ao longo do dia. Essa poesia que nos faz sonhar com tempos antigos de um povo que conquistou terra ao mar e que sozinho se fez e se vai fazendo, marinheiros, povo do mar, como nós, Portugueses. O engenho que pude testemunhar no seu sistema de diques e canais e a simplicidade do mesmo, conquistou-me e se dúvidas existissem, a simpatia com que fui agraciada em vários momentos deu-me uma Amesterdanite (paixão aguda por Amesterdão e as suas gentes). E então no final das minhas férias assumo que sofro desse mal e que o meu coração pertence a mais um pedaço de mundo.

Amesterdão parece-me seguir as pisadas dos seus antepassados marinheiros sendo um porto de chegada para pessoas de todas as cores, interiores e exteriores. A zona antiga da cidade continua a ser a taberna dos marinheiros que chegam e procuram o esquecimento, qualquer tipo de esquecimento e entorpecimento, do mar, dos mares, dos capitães, deles mesmos.

Há tanto que poderia dizer e ainda assim tanto ficaria em falta. Amesterdão faz-nos acreditar que somos capazes, que os sonhos são alcançáveis, que a Arte é um modo de vida, que a vida é feita para viver e que se for preciso conquistamos terra ao mar.

21 de junho de 2016

Meu Porto, Meu Portugal

Este fim-de-semana fui ver o jogo de Portugal ao estádio. Não foi a minha primeira vez num estádio mas foi a minha primeira vez com a selecção. Quando vivia no Porto entre os 18 e os 20 talvez, tive uma fase de adepta ferrenha do FCP ou fêquêpê com a pronúncia da minha terra. Quando me mudei para o Algarve com 21, continuei a ser adepta ferrenha mas mais pela minha terra do que pelo clube em si. Sempre senti o Porto de uma forma intensa, cheio de arestas e asperezas, com uma energia de luta a roçar a agressão mas sem lá chegar verdadeiramente. O Porto bebe-se assim nas suas ruas de paralelos, nas roupas a secar nas varandas, nas janelas e nos estendais que alguns bairros ainda conservam. O Porto é barulho de panelas na noite de Ano Novo, o Porto é comida, união, resposta na ponta da língua, ajuda desinteressada ao estranho que se perde nas ruas da cidade. O Porto é abrir as portas a quem connosco quiser comer sentado à nossa mesa e partilhar das nossas histórias regadas a palavrões e situações engraçadas. Nós do Porto temos um sentido de humor bem afiado, quando é preciso espeta no sítio certo, quando é preciso acalma ânimos e dá lições. O meu Porto é assim. Pulsante, cheio de energia, não é calmo e mesmo quando parece basta observarmos os velhos sentados nos bancos de jardim e perceber a vida que pulsa no bater das cartas, no silêncio das suas jogadas, nos seus pensamentos que se elevam sob as árvores centenárias que protegem e acolhem esta energia tantas vezes incompreendida. O nosso sotaque é tão somente um reflexo dessa energia e um exemplo dessa incompreensão, somos gozados e conotados de parolos e tripeiros e muitos de nós têm vergonha desta pronúncia do norte quando o que deveríamos sentir era orgulho, um orgulho imenso e desmedido por se sentir na voz tudo aquilo que a nossa terra encerra, guarda e aguarda. A pulsão mágica do norte, do Douro que serpenteia por entre as encostas que aprendemos a respeitar e desse respeito nasceram as vinhas e os seus vinhos. A pulsão mágica do desembocar do Douro no Atlântico e onde o nosso sotaque grita de alegria e extâse numa dança sibilante entre ninfas e sereias. Esse mar que abraça as nossas águas doces e as salga com a sabedoria que só o mar tem, nesse desembocadouro podem-se ouvir histórias antigas, tão antigas que a memória não as consegue alcançar e então elas perderam-se da memória dos homens, mas, o mar e o rio guardaram-nas e elas estão lá para quem as quiser ouvir, basta querer, basta aceitar aquela força que nos parte em dois se não formos humildes e nos eleva nos ares se a aceitarmos tal como ela é, tal como nós somos. O Porto é assim, dá-te a mão e leva-te aos céus se não tiveres medo das tuas cores, abraça-te na sua rudeza e dá-te um colo tão forte quanto o granito do seu chão. O amor do meu Porto é assim, as gentes do meu Porto são assim, mãos calejadas, coração calejado, sulcos no rosto, aventais na cintura, viúvas trajadas a preto, capas negras estudantes, homens de chapéu, velhos nos bancos de jardim, iscas e azeitonas, copos de vinho, pregões que acabam em "ão" e vida, muita vida, vida vivida de dores e gargalhadas, altas, tão altas, gargalhadas e dor misturadas num coração que se abre mais e mais e gosta de gente como a gente, gente que chora, come e ri com a gente, nós somos assim, nós os do Porto, os do Norte e percebi que quando era do Porto clube, não era realmente do clube, tal como não sou da selecção, Eu sou do Porto, de Portugal. É isso que me faz vibrar, foi isso que me fez chorar enquanto cantava o hino, sou de Portugal e sinto a falta de nós, sinto a falta do Povo que senti nos versos daquele hino que agora só usamos para o futebol, sinto a falta do Povo que se cumpre nessa terra que eu tanto amo e da qual faz parte a minha cidade, o meu Porto, o meu coração. Portugal, se eu apenas vos pudesse fazer sentir o que eu senti com aquele hino, se vocês apenas soubessem do que são feitos, todos vocês, portugueses do meu Portugal.